19 maio, 2016
OS MUROS QUE NOS SEPARAM
“Toda vez que há um abuso cometido por um lado, pode-se ter certeza de um abuso compensatório cometido pelo outro. Ambos estão cheios de orgulho ferido e professada retidão moral. Cada uma sabe com detalhes excruciantes a maioria dos pequenos malefícios da outra, mas sequer vislumbra os seus próprios pecados e o sofrimento que suas próprias políticas têm causado. Os radicais de ambos os lados se estimulam mutuamente”. Carl Sagan.
Quando a liberdade de expressão é utilizada como ferramenta de manipulação das massas e conquista ou manutenção de um poder que não é do povo, há que se observar que vamos por um mau caminho.
É a liberdade de expressão que garante que homens e mulheres possam ter suas escolhas religiosas, de gênero, orientação sexual ou política respeitadas. Quem fere este direito está séculos atrasado em termos de concepção de mundo. Sabendo disso, porém, toda sorte de tiranos tem partido para novas formas de controle social: a segmentação, a compartimentação dos sujeitos e o estímulo ao embate entre eles.
Para colocarem em prática esse projeto, eles, os que são sedentos por poder e predomínio de seus interesses, criam caricaturas dos opostos de todos os segmentos sociais entre si. O negro encontrará no branco o seu único e direto opressor, o capitalista encontrará no comunista seu único e direto ofensor, o cristão encontrará no muçulmano seu único demônio a ser extirpado da face da terra, etc. (e, obviamente, vice-versa, em todos os exemplos citados). E essas caricaturas se perpetuam porque, depois de tantos séculos de antagonismos fabricados, depois de tantos embates e ferimentos, elas ganham quase que um corpo físico, e, portanto, se tornam cada vez mais úteis para os sujeitos que nelas acreditam.
Outro exemplo prático (e que pode ser considerado um dos mais nocivos para o Ser Humano como espécie) é o patriotismo. Desde a mais tenra idade, o Homem é submetido a um bombardeio cultural que lhe diz que é essencial amar o local onde nasceu, que este deve ser defendido com unhas e dentes, que a “pátria-mãe” possui os melhores valores em todo o mundo (além do mais, o sujeito nasceu nela, então é sinal de que todas as condições para tal foram favoráveis). A questão é que, esse estímulo à defesa e ao amor a tal pedaço de terra envolve até mesmo matar quem o questione, quem o “macule” com outras culturas. O diferente será sempre visto como o inferior e o que deve ser “ajustado” conforme os princípios da terra amada. E assim se justificam os investimentos em aparato militar, na formação e fortalecimento dos exércitos com mais e mais garotos e garotas; mais e mais dinheiro tirado da saúde, educação, agricultura, ou o que quer que seja: tem-se de garantir a soberania nacional, dizem os patriotas.
Reduz-se a humanidade, deturpa-se o significado de pluralidade, e aumenta-se a arrogância, a raiva e a vaidade. Essa é a fórmula da segmentação social tanto no macro quanto no micro universo.
Ao invés de lembrarmos dos milhares de inocentes entre os imigrantes que buscam socorro das atrocidades do Estado Islâmico, dentre eles contando-se crianças, idosos, doentes e desamparados, preferimos erguer muros nas fronteiras justamente por lembrarmos que o Estado Islâmico existe e pode estar ali infiltrado; praticamos uma conveniente generalização: muçulmanos são terroristas.
Essa cegueira impede que sejam detectados os fantasmas, os verdadeiros inimigos comuns, os sujeitos que coordenam esse teatro de ódio e segregação: os que possuem influência, dinheiro e algum poder, e que, por sua vez, sequer acreditam nos valores que incutem na mente das pessoas, pois o fazem só para ganhar mais poder e satisfação pessoal, em qualquer lugar do planeta em que estejam. Essa cegueira impede que a corrupção seja combatida em sua raiz. Essa cegueira impede que aprendamos uns com os outros.
Sem o exercício do autoconhecimento, não seremos capazes de identificar o inimigo comum, não vamos vencer o dogma de que exista um monopólio da verdade, não superaremos a situação de opressão porque não estaremos desenvolvendo nossa autonomia, e sim repetindo roteiros de terceiros.
O inimigo comum que incutiram em nossas mentes desde a mais tenra idade precisa ser exorcizado. Como Anonymous, não temos fronteiras ou bandeiras, somos humanos como entes físicos e vozes dos anseios por liberdade, horizontalidade e justiça em sua essência como proposta. Que não façamos parte deste circo de horrores, que não permitamos a existência de muros, que nos reencontremos com os milhares de homens e mulheres ao redor do mundo, e caminhemos com eles em prol de um futuro honesto e bom, um futuro de paz e tolerância, porque é nesse desejo, nesse objetivo, que somos um.
Anonymous 3ª Visão